Histórias dos roazes do Sado

No estuário do rio Sado e no mar que envolve a costa de Troia e da Arrábida, vive uma população de golfinhos da espécie Tursiops truncatus, cujo nome comum é roaz. Vou contar-vos uma história que se passou há muito tempo, quando os Romanos habitavam o estuário do Sado.



Golfinho-roaz (Tursiops truncatus)


"Naquela altura viveu ali um menino chamado Liberius que mergulhava com os golfinhos. Liberius era escravo do senhor de Acala, um povoado romano que ficava numa ilha de areia, mesmo na entrada do estuário, onde hoje é Troia. As pessoas de Acala produziam deliciosas iguarias a partir do peixe que pescavam no estuário e que depois embalavam em ânforas de barro, para vender por todo o império romano. Liberius brincava na praia com os seus irmãos e amigos. Brincavam ao berlinde, à cabra-cega, ao jogo das nozes e faziam construções na areia. Liberius também brincava com os golfinhos. Chamava-os chocalhando os crepundia, amuletos de osso e de metal, que as crianças romanas mais novas usavam ao pescoço dentro de uma bolsa. Mergulhava até ao seu encontro e lá ía brincar com eles: saltar fora de água, “reboliçar” uns nos outros, mergulhar e saltar preso às suas barbatanas e atirar peixes pequeninos e alforrecas ao ar. Mas o que Liberius e os golfinhos mais gostavam de fazer juntos eram as aventuras noturnas. Liberius sabia que os golfinhos “veem” no escuro sempre que usam o seu sonar. E por isso, mergulhava na noite escura guiado pelos golfinhos para ir brincar com os animais bioluminescentes, que são aqueles que emitem luz. Os noctilucas, seres microscópicos muito simples, que fazem parte do fitoplâncton marinho, emitem luz quando a água é agitada. Em certas noites, muito escuras, o seu brilho é muito forte porque há muitos. Nessas noites, quando Liberius e os golfinhos nadavam, os rastos dos seus movimentos eram pintados de centelhas brilhantes dos noctilucas e assim o menino e os golfinhos faziam desenhos na água do mar. Depois iam até ao campo das cenouras-do-mar que vivem no fundo do estuário. De dia são cor-de-laranja, mas de noite, quando lhes tocam, acendem um brilho amarelo esverdeado iluminando o chão do estuário. Era nessa altura, que os golfinhos começavam a assobiar e a “estalir” fazendo um concerto marinho melodioso, a música do mar que embalava Liberius todas as noites ao adormecer."


Este conto foi baseado na história “Liberius, o menino romano” do livro “Histórias dos Roazes do Sado” de Raquel Gaspar e Marcos Oliveira (ilustrador), editado pela Troia Natura SA, no âmbito do Plano de Ação para a Salvaguarda e Monitorização dos Roazes do Sado. 

Atelier pedagógico: “A infância dos golfinhos e dos meninos romanos”, consultar a autora, Raquel Gaspar, bióloga e educadora marinha: cidadamae@gmail.com