SOLITÁRIOS DE SUMATRA


A chuva cai com a força de uma cascata sobre as folhas misturando-se com o som do vento que passa entre os ramos. Nem isso abafa os sons dos animais que habitam esta floresta densa, chilreios, bramidos, urros e rugidos, interrompidos pelo som de uma árvore centenária que cai com a força da chuva, abrindo uma clareira num muro verde que parecida intransponível.

O Tigre-de-sumatra caminha alheio a tudo isto movendo-se calmamente entre a vegetação, sem esforço, sem um único ruído, e, hoje, sem prestar atenção a toda esta agitação. Sente-se triste. O veado da sua última caçada não compensou este vazio, que vem do estômago mas não é fome. Bem sabe que é um animal solitário, no entanto, sente-se terrivelmente sozinho. Nem os seus chamamentos longos o têm ajudado a encontrar uma fêmea, e se a ouve responder ao longe encontra sempre uma estrada que lhe barra a passagem. Não gosta de atravessar aqueles caminhos largos por onde passam aquelas máquinas de metal e onde fica exposto e frágil.

Ao encontrar uma cria de Orangotango-de-sumatra a brincar no chão da floresta, aproxima-se cauteloso, não quer assustá-la, procura apenas companhia. Mas o macho de orangotango encontra-se por perto e afasta o tigre com uma atitude ameaçadora, usando o seu longo pêlo para parecer maior do que realmente é.

Estranha a atitude do macho, estranha uma cria sem mãe. Tenta desculpar-se por tê-los assustado, só procurava companhia. O orangotango macho não estava disposto a perder esta cria, especialmente depois de ter prometido à sua fêmea preferida que tomava conta do petiz, enquanto a via ser arrastada para fora da floresta por caçadores. Intrigado com a atitude do tigre, seguiu-o no seu percurso aleatório pela floresta.

A caminhada silenciosa do tigre apanhou desprevenida uma família de Perdizes-rulrul, que esvoaçaram atabalhoadamente em várias direcções. “Esperem... Só quero companhia!!!” As perdizes esconderam-se desconfiadas mas ficaram a pensar nestas palavras.
Ao ouvir um casal de Siamangos num belo dueto vocal, sentiu ainda mais a falta de uma fêmea. Pediu-lhes que cantassem a sua solidão pela floresta porque esta noite não queria estar sozinho. Deitou-se apático numa clareira recém-formada pela fúria das disputas de acasalamento dos Rinocerontes-de-sumatra.

Consegue perceber que há animais escondidos na vegetação que circunda a clareia, mas deixa-se ficar, deprimido e sozinho. O orangotango e a sua cria são os primeiros a mostrar-se: “Viemos passar esta noite contigo.” Depois o casal de siamangos, balaando-se habilmente de ramo em ramo usando os seus enormes braços: “Espalhámos a mensagem. Outros hão-de vir.”

O Calau-de-elmo-pregueado vem acompanhado da sua parceira, vestidos a rigor para esta noite, ele com a pele da garganta amarelo vivo, a dela de um azul luzidio, ambos de olhos vermelhos rubi. Trazem consigo uma cria que faz a sua primeira aparição pública. Os calaus contam como tiveram de abandonar o ninho que já usavam há tantos anos porque no ano passado foram descobertos e saqueados por humanos.
E assim foram chegando vários animais, queriam animar o Rei Tigre, o defensor da floresta.
Mas o que haveria de ser o jantar de um grupo de animais tão diverso? Calhou raflésia no menu. Com a sua flor de mais de um metro de diâmetro alimentaria facilmente os herbívoros e os carnívoros deixar-se-iam enganar pelo seu cheiro a carne putrefacta.
Ainda mal os animais tinham começado a comer e um abutre-do-egipto entra desastrado tentando passar pelo meio dos ramos das árvores. Via-se mesmo que não estava habituado a este tipo de ambiente. Tinha-se perdido durante a sua migração da Europa para África. “Venho todo zonzo. De certeza que aquela ovelha que comi antes de partir estava cheia daqueles medicamentos que os pastores dão aos animais. Já vi muitos da minha espécie morrer por causa disso e do veneno que às vezes deixam nas carcaças.”
As conversas e relatos sucedem-se na clareira enquanto a noite avaa.
“Nem mesmo nos rios estamos a salvo.”, refere a tartaruga-espinhosa. “A poluição e o corte das árvores em várias partes da floresta estão a destruir o meu habitat. E até já ouvi dizer que nos apanham porque acham que servimos para curar doenças.”
A família de Gibões-de-mãos-brancas revela que alguns dos seus amigos foram capturados para servir de refeição nos restaurantes das cidades.
“Aaaahhhh!”, exclamam horrorizados.
Os animais na clareira surpreendem-se ao ver aparecer uma estranha criatura, uma Tartaruga-de-pescoço-comprido-de-roti. Tinha sido capturada na ilha de Roti para ser animal de companhia, mas os raptores com medo de serem apanhados com uma espécie tão rara abandonaram-na ali, na ilha de Sumatra.
Como uma surpresa nunca vem só, o gato-pescador deixou os convivas de boca aberta. Já tinham ouvido dizer que ele vivia na ilha mas nunca ninguém o tinha visto. Entrou na clareira cabisbaixo, coxeando, tinha sido apanhado numa armadilha deixada pelos pescadores que não gostam de competição pelo mesmo alimento.

Atraído pelo cheiro da refeição putrefacta surge um Dragão-de-komodo, com uma língua bífida a detectar os seus odores preferidos, e a salivar bactérias e toxinas.

Ninguém sabe como apareceu ali. Não deveria estar na ilha de Komodo? Tenta comer os restos de raflésia mas percebe que foi enganado. Ainda pensa atacar o animal mais próximo mas a presença do tigre fá-lo mudar de ideias e parte tão misteriosamente como apareceu.
Um esvoaçar agitado interrompe a conversa e vêem perante eles uma Mainá-do-bali, esgotada de um voo aflito. O seu parceiro e os seus ovos tinham sido capturados, mesmo dentro do parque onde lhe prometeram que estaria a salvo. Naquele momento só lhe ocorrera fugir mas agora já não tinha energia para viajar mais.
O abutre usa da palavra: “Tenho boas notícias para todos vós. Lá na Europa, de onde eu venho, existe um grupo de pessoas muito empenhadas em salvar os animais que vivem nestas ilhas da Indonésia e noutros locais deste sudeste asiático.”
No final de uma noite tão agradável, que deixara o tigre bem mais feliz do que nos últimos dias, ainda haveria espaço para mais uma surpresa inesperada. Ao verem a fêmea de tigre entrar na clareira, os animais sorriram e afastaram-se silenciosamente. Era a vez dos tigres se juntarem num dueto de rugidos  ecoando pela floresta.